Carta da Morte
- Maria Clara Castro
- Nov 12, 2020
- 3 min read
Updated: Nov 24, 2020

Hoje o texto é um pouco diferente, trata-se de uma narrativa que escrevi no PAS 1. Para aqueles que não sabem, PAS é a sigla de Programa de Avaliação Seriada, um processo seletivo da Universidade de Brasília realizado ao longo dos três anos do ensino médio. Na proposta de redação desse vestibular, foi citado dois trechos da obra “As intermitências da morte” de José Saramago, obra essa que, por meio de uma carta, a morte decide avisar as pessoas com antecedência de uma semana sobre o fato de que irão morrer.
Aos curiosos, a carta da morte dizia:
“Caro senhor, lamento comunicar-lhe que a sua vida terminará no prazo irrevogável e improrrogável de uma semana, aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenta servidora, morte”.
Dito isso, o candidato deveria redigir um texto narrativo contando, com um toque de humor ou ironia, o restante do dia da pessoa que acabara de receber tal carta.
Eis o que escrevi:
Desespero. Como há de morrer assim tão efemeramente? Hoje vivaz, amanhã pálido. Fim. Acabou. O senhor se viu atordoado pelos pensamentos. Em apenas uma semana teria de dizer o adeus eterno e deixar os amados... Ó céus! Os amados! Esquecera deles e se perguntou se deveria contar sobre sua partida. Melhor não, guardaria para si. Se sua falta fosse sentida, lucro; se não, de que valia seus sentimentos?
Perdido em seus pensamentos, acabou trombando com a sogra. Assustou-se. Não por causa de sua feiura, que se fazia demasiada, mas por não esperar a encontrar.
“Esta não vai sentir minha falta”, pronunciou baixinho entre os dentes.
“O que disse?”, perguntou a sogra frisando os olhos. Ô velha com audição boa.
“Nada”, falou o senhor rapidamente e se pegou pensando, na verdade, o quão forte a sogra era. Viúva, criou dois filhos e enfrentou um câncer de mama. Lágrimas brotaram. Confusa com o choro, a velha perguntou o motivo de tal.
“Porque és maravilhosa!”.
Pronto, enlouqueceu. Desde que a conhecera, falava mal dela, agora diz isso? A sogra começou a bater nele.
“Você pare de tirar graça da minha cara, seu desgraçado!”. Os berros da velha eram ouvidos pelo prédio inteiro até que se ouviu um silêncio seguido de um pequeno estrondo. Ó Deus, a sogra desmaiou! O senhor pegou sal na portaria para ver se a pressão dela aumentava.
“Mamãe!!!” chegou a filha preocupada.
Ainda meio zonza, a velha culpava o senhor pelo desmaio.
“Eu? Você quem começou a me bater!”.
Decidiram levar a sogra para o hospital. O senhor faltaria o trabalho, dane-se se fosse demitido, seu fim era próximo mesmo.
Rodeado de enfermos, surpreso ficou ele. Tinha a saúde boa e nunca reparara nisso. Lágrimas novamente.
“Enlouqueceu mesmo, coitado” falou a sogra. “Enfermeira venha aqui, leve este pobre homem à ala dos loucos”.
Antes que houvesse uma mísera reação da enfermeira, o senhor começou a falar em alto e bom som: “Ó família minha, como é grande meu amor por vocês, espero que seja recíproco”. Olhou para a velha, “Sogra querida, apesar dos pesares, tens o meu respeito”. Lágrimas salgadas inundavam seu rosto, precisava tomar um ar. “Enfermos, daqui a pouco os vejo”, disse abrindo as portas do hospital.
BOOM! Um atropelo. Ouviu-se um tocar de trompetes. Os grandiosos portões se abriram. “Onde estou?” se perguntou o senhor.
“Bem vindo ao céu”, disse um anjo.
A carta dizia que o senhor teria o prazo de uma semana. De fato, o prazo foi de uma semana, mas, porém, contudo, entretanto, todavia, o correio atrasou.
Se você leu até aqui, muito obrigada. Espero que tenha gostado. Até o próximo post!
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